Rudolf Steiner e a Liberdade

 



“Duas almas residem, ai!, em meu peito:
Uma quer separar-se da outra;
Uma, mediante órgãos tenazes,
Aferra-se ao mundo num rude deleite amoroso;
A outra se eleva com vigor das trevas
Aos campos de excelsos antepassados.

O trecho acima é da obra-prima de Goethe, Fausto, citado logo no começo do livro “A Filosofia da Liberdade” de Rudolf Steiner. Ele descreve com exatidão o desafio de Steiner em unir a ciência mecanicista (Saturno em Virgem) com a espiritualidade (Netuno, Sol e Mercúrio em Peixes). Em outras palavras, um dos maiores desafios deste renomado cientista que sistematizou a Antroposofia era resolver a dualidade entre Virgem e Peixes, o eixo da IMANÊNCIA – TRANSCENDÊNCIA.

Ao longo de “A Filosofia da Liberdade”, considerada sua melhor obra pelo próprio autor, Steiner expõe sua ansiedade e angústia em superar os limites do racionalismo impostos por Saturno em Virgem que dominou o começo de sua carreira acadêmica. Com o decorrer do tempo, ele se questionou se o homem “é em seu pensar e em seu agir um ser espiritualmente livre ou está ele sujeito a um inflexível determinismo natural?”. A oposição entre Saturno em Virgem e Sol em Peixes o levou a este questionamento. Em algum momento da sua vida, ele se sentiu “preso” ou limitado diante de fatores aparentemente deterministas e previsíveis no âmbito da organização preventiva de Virgem. Note que ele demarcou o ser “espiritualmente livre”, pois este limite saturnino atingia seu Sol em Peixes, ou seja, um “ser espiritual” cuja realização máxima está no âmbito da espiritualidade.

A principal demanda para aqueles que nasceram durante uma oposição entre Saturno e Sol é a busca pelo “Eu Sou”, ou seja, o verdadeiro propósito de vida, o significado da sua presença na Terra, a própria alma ou o self. Sob a perspectiva destas pessoas, a primeira figura solar da vida delas – o pai ou aquele(a) que representa a figura paterna – encontrava-se ausente ou era por demais severo. Esta situação causa uma espécie de vácuo difícil de ser preenchido e a tendência é se voltar para exigências da sociedade vigente, sacrificando sua verdadeira vontade que se encontra obscurecida ou medrosa demais para se revelar. Com o tempo e a maturidade exigidos por Chronos, o indivíduo se vê diante de inúmeras escolhas, ciclos e obstáculos onde o medo, a insegurança e os limites auto impostos precisam ser transmutados.

A oposição entre Saturno e Sol envolvendo Virgem e Peixes, respectivamente, revela, além da ausência ou severidade da figura paterna, uma constante crítica ou autocrítica que bloqueia a alma ou a verdadeira Vontade. A intuição e sensibilidade piscianas são limitadas pela lógica e racionalidade virginianas. Além do Sol, Steiner nasceu com Mercúrio conjunto a Netuno em Peixes. Se o leitor se lembra do capítulo dedicado ao planeta Netuno, sabe que seu trânsito por Peixes potencializa as qualidades deste signo. A admiração pela arte, em especial pela obra de Goethe, é um propulsores do talento imaginativo e criativo de Steiner, além de sua forte conexão com a espiritualidade.

Precisamos, quando agimos, recorrer às forças materiais para converter nossas intenções em realidade”. Outra oração de “Filosofia da Liberdade”, obra em foco nesta análise, reveladora de que Rudolf Steiner já intuía o colapso de onda de possibilidades em realidade manifestada no mundo material. Mas sua intuição só foi possível depois de diversos embates sobre a dualidade entre o mundo imanente e o mundo transcendente discorridos ao longo deste livro. Em seu salto quântico como resultado da oposição entre Saturno e o Sol, Steiner compreendeu que as intenções (Vontade, “Eu Sou”) necessitam da ação apropriada para se tornarem realidades. Parece ser simples para aqueles cujo Sol natal não é afetado por aspectos saturninos. Para Steiner, sabemos que esta realização exigia, em primeiro lugar, um aprofundamento em seus medos e restrições morfogenéticos. Medos e restrições estes que restringiram sua ação e sua Vontade mais íntimas e sensíveis. Literalmente, ele teve que mover montanhas para que a dualidade entre suas intenções e o mundo real e manifesto se aproximar e se resolver no monismo. Suas intenções vieram da criatividade e transcendência piscianas, o que, em um mundo extremamente racional do final do século XIX, poderiam revelar uma personalidade surreal ou esquizóide. A Lua em Libra em trígono com Vênus em Aquário se harmonizavam com o intuito de atrair as pessoas, os relacionamentos, os grupos com intenções afins. Creio que este brilhante cientista se questionou muito antes de revelar suas intenções, pois uma das sombras da oposição Saturno e Sol é o medo da solidão e da rejeição.

Queremos descer às profundezas de nosso próprio ser para lá encontrarmos aqueles elementos que levamos conosco quando nos separamos da natureza.” Aqui ele se subjuga à necessidade pisciana de abandonar o “mundo real” ou manifesto para encontrar seu self integral, ou seja, compreender que não existe separação entre o “eu” e o “objeto”, mas a interconexão quântica. Ele analisa o “pensar” como observador quântico atento aos próprios pensamentos e conceitos advindos dos mesmos.

Quem exige de uma 'ciência rigorosamente objetiva' que ela permaneça exclusivamente no âmbito da percepção, deve exigir também que ela renuncie ao pensar, uma vez que este, por sua própria natureza, vai além do conteúdo da percepção dos sentidos.” Nesta oração, Steiner consegue resolver brilhantemente sua ansiedade e dualidade entre Virgem e Peixes. A ciência rigorosamente objetiva é a ciência racional, mecanicista, imanente e virginiana. É a organização objetiva que exige a lógica de uma metodologia estabelecida. Mas a conjunção entre Mercúrio (mente, pensamento) e Netuno em Peixes (intuição, transcendência) projetavam a mente de Steiner além do mundo objetivo. Ao dar seu salto quântico e agir conforme suas intenções, Steiner percebeu que sua mente tinha a capacidade de transcender os sentidos físicos e alcançar os padrões unicistas arquetípicos do inconsciente coletivo. Em outras palavras, através da liberdade do pensamento destituído das restrições objetivas e materialistas, ele pôde conceber uma nova ciência espiritual. Este contato com os padrões arquetípicos puros o conduziu ao entendimento do homem e de sua relação com a natureza, fundamentando a filosofia antroposófica.

Os objetos da minha percepção só existem através de mim e só na medida e enquanto eu os percebo; eles desaparecem com o ato de percepção e não fazem nenhum sentido sem este. Fora de minhas percepções, não sei de objeto nenhum e jamais poderei saber.” O ato de observação conduz à percepção dos objetos, assim como a não observação conduz à não existência dos mesmos objetos. Como cientista progressista, Steiner intui a função do observador quântico e da dependência da percepção dos sentidos do mesmo na sua concepção de realidade. Ele percebeu também que separar o sentimento (Peixes) do pensamento (Virgem) não conduz nem à cognição verdadeira, nem à individualidade humana: “O pensar é o elemento através do qual participamos do universo geral; o sentir é o meio pelo qual nos retraímos em nosso mundo próprio.” (grifo do autor) “E quanto mais descermos às profundezas de nossa vida pessoal, vibrando em sentimentos com as coisas externas, tanto mais nos separamos do ser universal. Uma verdadeira individualidade será aquela que com seus sentimentos se elevará o máximo possível à região da ideias.” Apesar de aparentemente ser uma contradição com o trecho anterior onde “descer às profundezas de nosso próprio ser” representa o encontro mais integral entre o self e a Natureza, existe uma sutileza neste texto que se refere à ilusão narcisista pois, a descida às profundezas, neste caso, é uma atitude pessoal apegada às “coisas externas”. Não se trata da profundeza da alma, mas a profundeza do abismo do ego que nega a conexão com o universo transcendente e entrega-se ao escapismo narcisista, uma sombra da negação netuniana.

Existem pessoas cujas ideias mais gerais ainda apresentam aquele timbre especial que mostra que são a expressão de uma personalidade. Existem outras cujos conceitos são tão desprovidos de um timbre peculiar que parecem ser de alguém sem vida própria.” O timbre especial vem da interconexão entre o sentir e o pensar, ou seja, da harmonia entre a capacidade intuitiva que revela os arquétipos por si só e a objetividade cognitiva da razão que permeia a ciência de criatividade. É desta maneira que Steiner resolve a dualidade entre Peixes e Virgem, deixando para a Humanidade a dádiva da ciência intuitiva. Ele preconizou o mundo extremamente tecnológico e racional dos tempos atuais onde o 'pensar' e o 'sentir' dependem da superficialidade desvitalizada das redes sociais e dos canais midiáticos.

As premissas morais e religiosas também são limitantes e críticas tal qual a representação simbólica de Saturno em Virgem oposto ao Sol em Peixes. Estas amarras, além de preencher o indivíduo de culpa e insegurança a respeito do seu próprio talento, Vontade ou propósito, tolhe a liberdade no 'agir' e no 'pensar': “Não analiso racionalmente se minha ação é boa ou ; eu a realizo porque a amo. Ela será boa se a minha intuição mergulhada em amor estiver devidamente contextualizada no ambiente a ser por sua vez entendido intuitivamente; se não for o caso. Tampouco me pergunto como outra pessoa agiria no meu caso. Faço o que eu, esta pessoa individual, acha que deve fazer nessa situação. Não me interesso pelo que todo mundo faz, pelo que se costuma fazer ou por uma norma; sou guiado simplesmente por meu amor à ação. Não me sinto coagido por meus instintos naturais e tampouco pelos mandamentos morais, quero fazer o que está em mim.” Os grifos são também do autor, apesar de que pessoalmente gostaria de grifar a palavra 'amor'. Não sei se intencionalmente ou não, Steiner faz uma definição pessoal de amor. Para ele, amor é o estado vibracional do indivíduo que realiza sua vontade sem a imposição da dualidade e dos conceitos preestabelecidos do que é bom ou ruim; certo ou errado. Ele encontra a verdadeira liberdade que, não é fazer o que os instintos naturais caóticos comandam subjetivamente, nem mesmo os mandamentos morais, sociais e religiosos comandam objetivamente, mas o amor como primasia da filosofia monista. Amar, portanto, é descobrir a si mesmo e agir em conformidade com a alma. “Temos a sensação de liberdade quando uma ação provém da parte ideativa do nosso ser. As outras partes de uma ação, independentemente se têm origem em necessidades naturais ou em normas morais, proporcionam-nos a sensação contrária.”

Steiner conclui que a liberdade só pode ser atingida por meio da filosofia monista, onde não existe separação entre as ideias e a percepção sensorial do indivíduo.” Liberdade é impossível se algo exterior a mim (processos mecânicos ou um deus situado fora da experiência) condiciona minhas representações morais. Sou livre se eu mesmo produzo o móbil da minha ação e não se executo apenas o que outro ser me inculcou. Livre é quem consegue querer o que ele mesmo intui como verdadeiro. Quem faz algo diferente daquilo que quer, precisa ser impelido para tal ação por motivos que não são dele. Ele é, portanto, não-livre. Querer ou não querer a bel-prazer o que é verdadeiro significa ser livre ou não a bel-prazer.” Urano, o planeta transaturnino da liberdade e da revolução, encontra-se em Gêmeos e em quadratura com Saturno e com o Sol de Steiner. Este aspecto cria a possibilidade, dentre outras, da revolta contra o 'status quo' ou da ideologia vigente. A ansiedade e o inconformismo poderiam se tornar um estopim para a descontinuidade dos projetos e pesquisas de Steiner, além da excentricidade narcisista e vazia de significado como agir pelo bel-prazer, por exemplo. Como bom observador quântico consciente de sua Vontade e Amor, ele optou pela liberdade de agir, sentir e de pensar, visando o sistema filosófico monista destituído de dogmas, religiões e de falsos moralismos.

A filosofia monista é panteísta, uma vez que a divindade está presente em tudo e em todos, na matéria, no pensar, no agir e no sentir. “Enquanto o homem apenas se conhece por meio de autopercepção, ele constitui um ente diferente dos outros. Quando, porém percebe o mundo das ideias que tudo abarca resplandecer em si, ele se depara com a manifestação da realidade absoluta. O dualismo define a essência divina como aquilo que vive em todos os homens e os permeia. O monismo encontra tal vida divina comum na própria realidade.” A essência divina não pertence somente a um ser inatingível como um deus, por exemplo. Steiner percebe que um deus ausente e temível tal qual sua figura paterna representada pela oposição entre Saturno e o Sol é reflexo da dualidade apenas.

(extraído do livro O Salto Quântico Astrológico: A Teoria Quântica Aplicada aos Arquétipos Astrológicos)

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